Recife, 1 de junho de 2008. Um jogo ruim entre Náutico e Botafogo era disputado no acanhado estádio dos Aflitos, válido pela quarta rodada do Brasileiro. A partida já começou com um atraso de aproximadamente dez minutos, por pura falta de organização do mandante.
Iniciado o jogo, via-se que algo estranho estava acontecendo. O jogo estava esquisito, uma pelada. O zagueiro André Luis, do Botafogo, estava visivelmente alterado emocionalmente. Não cabe a ninguém – absolutamente ninguém – lançar informações falsas, dizendo que o nervosismo era devido à eliminação da Copa do Brasil. Se o fosse, o nervosismo seria visto em todo o time, e não apenas em um único jogador. Ninguém saberá o que realmente passava pela cabeça do zagueiro. O time vem atuando mal há tempos – desde as finais do carioca – e não foi somente a eliminação para o gigante da segundona que provocou isso.
André já havia tomado um cartão amarelo por reclamação, quando, minutos depois, ao perder uma bola no ataque, tentou recuperá-la. O lateral Ruy “Cabeção” partia com a bola dominada quando foi desarmado por André Luis. Aí começam os problemas.
Ainda que o lance se caracterize por um carrinho por trás, não se vê intenção em matar a jogada, em derrubar o adversário. Ele se coloca à direita do jogador do Náutico, estica a perna esquerda (logo diminuindo os indícios de que queria matar a jogada, já que se o quisesse seria muito mais prático usar a perna direita, travando o adversário) e toca na bola. No entanto, existem as malandragens do futebol, e o Ruy cai no gramado, se joga, chega a quicar no campo, dando àquele lance pinturas de uma falta desleal e hedionda.
Desleal e hediondo foi o que aconteceu depois.
O árbitro Wilson Seneme aplicou o segundo amarelo e logo, o vermelho. O jogador tentou se justificar. Não adiantava mais. Saiu de campo irritadíssimo, chutou uma garrafa de água, que acabou caindo na torcida (que fica quase dentro do campo, separada apenas por uma grade – uma várzea) - garrafa esta que provocou uma denúncia de um torcedor na delegacia do estádio, e que complicaria a situação do jogador - e por fim mandou dedos do meio para os torcedores adversários. É exatamente nesse instante que começa uma das maiores vergonhas já proporcionadas por uma polícia militar. Extremamente despreparados, e talvez até torcedores do time pernambucano, os PMs pernambucanos resolveram prender o zagueiro alvinegro por ter feito gestos para a torcida. Fica aqui o aviso aos amigos: nunca mandem ninguém para aquele lugar por meio de dedos, pois vocês podem ir em cana!
André Luis, assustado com aquilo tudo, tentava desvencilhar-se da truculência policial orquestrada por uma tal Lucia Helena, aspirante a tenente se aproveitando dos holofotes para tentar aparecer e mostrar serviço. ‘Grandão’, o zagueiro conseguiu, depois de cair por várias vezes, se soltar dos “homens da lei” e se dirigiu ao vestiário, que ficava do outro lado do campo (mais um absurdo da “Rua Bariri do Nordeste”). Surpresa: a porta foi trancada, sabe Deus por quem. Acuado feito um meliante num beco sem saída, o zagueiro foi cercado pelos truculentos PMs na escada do vestiário. O atacante Fábio tentava desesperadamente dialogar e proteger o companheiro de equipe. Foi agarrado pela polícia e praticamente jogado para dentro do campo, Enquanto o lateral-direito Alessandro era agredido com spray de pimenta:
“Estava tentando tirar nossos jogadores da confusão na porta do vestiário, quando alguém veio por trás de mim, levantou minha camisa e jogou o spray. A sensação foi horrível. Meus olhos começaram a arder, minha garganta fechou e não conseguia respirar, até que vomitei sangue”
Em seguida André Luis foi imobilizado, como se representasse uma ameaça à sociedade, e retirado de campo, como se fosse um torcedor invasor. A sensacional polícia pernambucana em mais uma demonstração de absoluto despreparo, fez o inimaginável: retirou o jogador do Botafogo pelo meio da torcida, em meio a uma chuva de garrafas, e outras coisas, numa cena medieval. Se ali houvesse uma pedra, poderia ter havido uma tragédia. Bebeto de Freitas, o presidente do Botafogo, desesperadamente tentando contornar a situação, foi empurrado diversas vezes pelos selvagens de farda, e acabou arrastado por eles também, sumindo no túnel do estádio dos Aflitos. Só mesmo tanta aflição por parte dos locais pode, em parte, justificar uma ação policial tão absurda.
Enquanto Bebeto também ia sendo preso, a polícia continuava fazendo das suas: o goleiro Renan teve que se proteger de um PM que posicionou o cacetete para agredí-lo. O mesmo ocorreu com Leandro Guerreiro e Diguinho. Este último foi claramente ameaçado por um policial, tendo o lance sido captado pelas emissoras de tv presentes. Dá até pra fazer leitura labial, para saber o que o despreparado funcionário público falou.
Quanto ao jogo, lamentavelmente reiniciado, acabou 3 x 0 para os donos da casa. Correu a informação de que o Botafogo não retornaria para o segundo tempo, mas o capitão Lucio Flávio, sempre sensato e ponderado, disse que retornariam em nome da honra do Botafogo de Futebol e Regatas. Àquela altura, o resultado final era o que menos importava.
Depois de tanta humilhação a um cidadão que estava trabalhando, e que teve a sua dignidade jogada na lama em rede nacional por uma ação policial desastrada e truculenta, chegaram duas notícias: André Luis fez um acordo e doou 25 salários mínimos, cerca de R$ 10 mil para o Hospital do Câncer de Pernambuco. Bebeto de Freitas não quis acordo e responderá a processo. Segundo ele, não cabe fazer acordo, pois estava defendendo o jogador da agremiação da qual é presidente.
Antes que digam que só escrevo essas linhas por ser botafoguense, cito os fatos: ações como essa não são novidade em Recife: no ano passado, o técnico Lori Sandri, então comandando o América-RN, foi preso nas mesmas circunstâncias, mas no estádio da Ilha do Retiro, pertencente ao rival do Náutico, Sport Recife. Foi algemado na frente das câmeras de tv. Humilhado, deu uma entrevista aos prantos, que causou consternação no meio futebolístico. Recentemente, o Palmeiras, ao chegar no mesmo estádio da Ilha do Retiro, segundo o treinador Vanderlei Luxemburgo, teve que desembarcar em frente aos torcedores do Sport, pois uma motocicleta da PM, estrategicamente estacionada metros adiante, impedia a manobra do ônibus e o desembarque em outro setor do estádio.
Para encerrar, as perguntas que ficam são as seguintes:
O STJD punirá apenas o jogador do Botafogo, ou também punirá o Náutico, que é dono do alçapão onde se realizou o jogo, e o mandante é o responsável pela segurança daqueles que recebe?
A CBF interditará o alçapão dos Aflitos, totalmente impróprio para uma partida de 1ª divisão?
A Comissão de Arbitragem da CBF afastará o árbitro Wilson Seneme, pela conivência e falta de pulso para controlar os ânimos exaltados?
A aspirante a tenente desastrada e despreparada será afastada de suas funções atuais?
O Botafogo irá processar o Estado de Pernambuco pelo acontecido?
O zagueiro André Luis irá processar o Estado de Pernambuco pelo ocorrido?
Ou tudo acabará em pizza de carne-de-sol??
A saber nos próximos dias. Algo tem que acontecer!